Boa
noite, caro amigo.
Escrevo-te
esta carta datilografada, mais para dizer a mim mesma do que dizer a ti, a respeito de
encontros... porque acredito que pouco pensamos sobre eles.
Caso
queiras me perguntar se acredito em destino, lhe adianto que não sei ao certo
sobre estas coisas de futuro... e isso não vem ao caso, também. Quero lhe falar
nesta noite em que escrevo, neste momento em que abres este envelope viajado,
que podemos não perceber... mas somos todos feitos de encontros.
Gostaria
de te dizer que já tive muitos encontros especiais nesta vida... encontros de
alma, sabe? Destes que acontecem quando há
um envolvimento do que é de verdade em alguém com o que é de verdade em você e
então você fica extasiado e surpreso em como de repente se consegue sentir,
falar, ouvir esse alguém de uma forma tão diferente de todas as outras pessoas.
Somos
feitos dessa matéria que é o envolvimento de uma alma à outra. Algumas pessoas
chamam estes encontros de amor, outras de amizade, outras de outros nomes... na
verdade isso também não importa. Importante mesmo é saber o que fazer quando se
tem um encontro tão especial como este. Você já parou para pensar nisso, caro
amigo?
No
ultimo mês de abril eu tive um encontro especial... Mas muito mais surpreendente
do que eu imaginava que poderia ser. Estava pela vida sem eira nem beira, sem lenço
nem documento, vendo a banda passar cantando coisas de amor... aaah o amor...
estava quase para desistir do bendito, de tanto apanhar da vida, de tanto amar
dolorido. Mas eu estava lá... na avenida
e vi a moça passar, tão bonita, parecia dançar.
Com
um andar meio preguiçoso e apressado, de saia longa estampada, acompanhava a
banda... a que eu via passar... e passou. Perdi de vista a moça que usava o
lenço na cabeça, por vezes no pescoço, na cintura... incrível as várias
utilidades que ela dava para o acessório colorido. Eu só sei que ela passou e
eu fiquei pelo caminho.
Na
manhã seguinte sai bem cedo para cumprir com os compromissos do dia, estava tudo
muito tranquilo e o sol raiava forte depois da chuva que havia caído. Sentei-me
no local habitual e então eu a vi novamente, para a minha surpresa a moça do
lenço colorido estava bem perto de mim... foi quando pude perceber que mais do
que o lenço, o seu olhar parecia me colorir também.
Eu
não sabia ainda, caro amigo, mas aquele olhar passaria a me acompanhar pelos dias
que me restassem.
O
fato - e que coisa feia usar “fato” em um texto que fala de coisas de alma - é
que minha voz chegou a tremer quando eu disse a ela que queria beijá-la. Eu
realmente queria. De verdade eu tinha que ir embora, mas por um segundo tive a
certeza que se eu não dissesse a ela o que eu pensava, nos perderíamos outra
vez... ela passaria e dessa vez poderia ser para sempre.
A
verdade é que eu sentia que aqueles olhos pediam que eu a beijasse. O batom que
ela usava era o meu convite particular e irrecusável. Então a sua voz
verbalizou o desejo mútuo. E preciso lhe dizer que desde esse momento eu desejo
os nossos beijos todos os dias.
O encontro do qual vos falo me surpreendeu pela urgência que tivemos em misturarmos nossas almas, mesmo sem percebermos o que estávamos fazendo. Mesmo sem percebermos a seriedade do que estávamos fazendo. Acontece... caro amigo... que eu me sinto misturada a ela de uma forma extraordinariamente difícil de saber onde começo e onde ela termina.
Decidi
te contar estas coisas para que não penses que é mero capricho e exagero dos
poetas quando eles dizem que um pedaço de si pertence ao outro que é o objeto
do seu amor. Objeto também uma palavra feia nos meio destas outras, mas na
maioria das vezes o problema das palavras é a forma como as sentimos e não o
seu sentido literal.
Amigo, um pedaço de mim não me pertence mais e o mais louco de tudo é que estou feliz por isso. Veja só! Quanta loucura no ser que vos escreve! De fato, loucura extrema que me levou todos os medos me preenchendo da mais pura coragem e vontade de ser feliz. Minha vontade de ser feliz se mistura à vontade de proporcionar felicidade á dona dos meus bom dias e boa noites diários.
Acreditarias
se eu dissesse que passei a andar de um jeito preguiçoso e apressado?
Veja
bem... vou entender se me disseres que não acreditas em nada que vos digo. Que
isto tudo é falácia de romance literário ou então delírio de tolos. Eu mesma
cheguei a pensar desta forma! É que quando se apanha tanto por causa de amor,
por causa da indecisão das pessoas, por causa da intensidade do que se sente...
por tantos motivos... é mais fácil deixar de acreditar que há mais de um alguém
neste mundo que pode te ajudar a ser mais feliz do que você poderia imaginar.
Mesmo
assim declaro que minha alma foi surpreendentemente misturada à dela desde o
primeiro beijo. E eu te afirmo, sem medo de que aches que é tolice, que vale a
pena acreditar e se permitir. Porque o importante não e apenas ter um
encontro... mas saber o que fazer quando ele acontece. Importante é
reconhecê-lo e a partir daí deixar que ele engula o seu medo, te permitindo
viver perigosamente pelos caminhos desconhecidos da alma do outro enquanto o
outro te percorre da mesma forma.
Hoje
eu não vou encerrar este texto de forma coerente... Me recuso a dar um fim
lógico pra esse esboço de pensamento, mas eu gostaria que você pensasse a
respeito dos encontros e de como lidamos com eles. O meu encontro, caro amigo,
me surpreendeu porque, mesmo sem saber, aconteceu exatamente como eu sempre
esperei que acontecesse... e é por isso que eu estou tão feliz.
E
eu desejo essa felicidade a ti.